terça-feira, janeiro 04, 2011

por Flavia Bernardes
Nunca na história do Espírito Santo empresas transnacionais tiveram tanto espaço para poluir o ambiente. Durante os oito anos da gestão Paulo Hartung, praticamente todas as transnacionais ampliaram seus impactos e ataques a populações tradicionais sem que uma única sanção legal lhes fosse aplicada. Tudo em nome dos planos de um desenvolvimento que só beneficiaram as empresas e seus prepostos.
Se 2010 foi um ano positivo para algumas empresas no Estado, certamente esse saldo não diz respeito a qualquer empreendimento capixaba. Os ganhos contabilizados são de empresas como Arcelor MIttal, Vale, ex-Aracruz Celulose e Samarco, que, juntas, contaram com a cobertura do governador Paulo Hartung e, apesar da crise, não recuaram um milímetro em seus projetos de expansão.
A brecha aberta pelo governador dificilmente será fechada pelo novo governante do Estado, Renato Casagrande (PSB). Trata-se de um emaranhado de articulações políticas e empresariais, que, sobretudo, resultam da união de grupos privados que passaram não apenas a opinar, mas também a influenciar diretamente nas decisões do Estado do Espírito Santo.
Uma figura chave nessa rede de articulações de empresas de consultoria foi o ex-governador do Estado no regime militar, Arthur Carlos Gerhardt Santos. Ele tem sido um lobista de grande prestígio desde que deixou o comando das antigas Aracruz Celulose (Fibria) e CST (Arcelor Mittal), passando a presidir, na década de 90, o Sindicato do Comércio de Importação e Exportação do Espírito Santo (Sindiex), que reúne as importadoras do amparadas pelo Fundap. E é ele que compõe, com membros de sua família, a ONG Espírito Santo em Ação, a partir de empresas de engenharia (SerEng) e da Cepemar, empresa de consultoria ambiental responsável por legitimar os grande projetos poluidores no Estado.
Fruto de uma antiga relação que começou na prefeitura de Vitória, com Paulo Hartung, a Cepemar foi fundada por Nelson Saldanha Filho e presidida por Maria da Glória Brito Abaurre, que deixou a empresa para ocupar o cargo de secretária Estadual de Meio Ambiente e, por extensão, a presidência do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema). Uma estreita relação que permanece até hoje, como constatado após oito anos de mandato de PH.
Responsável pela elaboração de Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/Rima), a Cepemar funcionou como uma espécie de consórcio entre o poder público e o setor privado. Dos inúmeros projetos e expansões licenciados em oito anos, mais de 50% passaram pela análise de seus técnicos, cujos relatórios constatavam mais impactos positivos do que negativos na construção dos empreendimentos.
A capacidade de intervenção de Gerhardt Santos nessa articulação política e empresarial capixaba pôde ser vista no lobby que ele comandou contra as aldeias indígenas de Aracruz para instalação do estaleiro Jurong e na presença de suas empresas de consultoria nos estudos prévios encomendados pelo governo do Estado para a instalação da Siderúrgica de Ubu, da Vale, no município de Anchieta. Além disso, o ex-governador foi um dos coordenadores da equipe que elaborou o Plano Espírito Santo 2025, tido como principal documento orientador do planejamento estratégico do governo de Paulo Hartung.
 

Neste contexto, nos últimos oito anos a Cepemar legitimou, por meio de seus estudos, a expansão da ex-Aracruz Celulose (Fibria), da então Vale do Rio Doce (CVRD) e ex-CST (Arcelor Mittal), entre outras, e o que antes era um grupo pequeno, enriqueceu formando o conglomerado de empresas constituído pela Cepemar Meio Ambiente, Cepemar Service (criada em 2004 e com sede na Flórida), Marlin Azul e a Fundação Promar, esta última com as atividades focadas em projetos sociais, culturais e científicos.
Não importa o tamanho do débito ambiental e social da empresa, quando se trata da Cepemar, lá estão os EIAs/Rimas prontos para serem levados às audiências públicas, e submetidos e aprovados pelo Iema. Entretanto, a imagem da empresa finalmente apareceu mal na fita após inúmeras denúncias e a consultoria ambiental vem deixando espaço para uma nova empresa, a CTA, cuja projeção no mercado durante o governo PH também foi meteórica.
O Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema) também teve sua imagem desgastada após as últimas licenças ambientais concedidas, entre elas a do estaleiro Jurong. Mesmo com o parecer negativo ao empreendimento assinado por seu corpo técnico, que apontou inúmeras falhas no EIA/Rima elaborado pela CTA, a diretora do Iema Sueli Tonini emitiu uma carta a favor do empreendimento que foi encaminhada ao Conselho Regional de Meio Ambiente III (Conrema III). Este acatou a decisão da diretoria do órgão, aprovando a emissão da licença para o empreendimento.
A medida foi duramente criticada pelos técnicos do próprio Iema, que chegaram a se manifestar publicamente contra a estreita relação de amizade entre os dirigentes do órgão e os diretores de grandes empreendimentos, que coloca em xeque a lisura das licenças concedidas.
Um exemplo mais antigo é o da construção da 3ª usina da CST, quando a Cepemar ignorou em seus estudos, segundo os quais a empresa estava burlando a lei desde a sua implantação ao não construir uma usina de dessulfuração capaz de minimizar os agentes poluentes e cancerígenos que são despejados sobre a Grande Vitória.
A implantação de uma usina de dessulfuração chegou a ser descartada pelo Iema, e a CST conseguiu, um ano depois, as licenças prévia e de instalação para a portaria industrial norte, concedidas pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Serra (Semma), o que refletiu o interesse do Estado em garantir a expansão das grandes empresas.
Seja por doações a campanhas, por pressão econômica ou por motivação política, o que se sabe é que, através de empresas de consultorias e da estreita relação da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e consequentemente do Iema, foi legitimado no Estado, em tempo recorde, um número maior de projetos potencialmente poluidores do que a região poderia suportar. E, consequentemente, o desenvolvimento lá não chegou.
A postura pró-degradação ambiental do atual governo ficou comprovada pelo dcreto assinado por Paulo Hartung e publicado no dia 3/11 no Diário Oficial da União declarand CSU de utilidade pública, bem como as obras de infraestrutura necessárias para sua instalação e operação em Anchieta, sob a alegação de que a empresa estaria gerando energia. Esse argumento é absurdo porque quem consumirá muita energia e poluirá é a própria empresa.
Em regiões como a de Anchieta o que se vê é a presença da poluição provocada pela Samarco Mineração S/A e o potencial de mais degradação representado pelo projeto da Companhia Siderúrgica de Ubu (CSU/Vale). São o inchaço populacional, a violência, o tráfico de drogas, a falta de estrutura na saúde e na educação e o desemprego.
No entendimento de ambientalistas, o Estado se manteve permissivo com empresas que produzem materiais semielaborados, ou seja, que representam apenas a etapa poluidora não aceita em diversas partes do País e do estante do planeta, a exemplo do que ocorreu no estado do Maranhão, que rejeitou a gigante Baosteel após o pedido de construção de uma siderúrgica na região devido aos impactos que seriam gerados na região.
No Espírito Santo, chamado de quintal das grandes poluidoras, o saldo é negativo e nem de longe se assemelha a algo que prenuncie o desenvolvimento prometido no início da era PH.
A Baosteel, por exemplo, foi recebida com pompa e só foi rejeitada após forte crise econômica e a constatação de não haver disponibilidade hídrica na região para a demanda do empreendimento. Curiosamente, a mesma resistência não atingiu a Vale, que rapidamente tomou o lugar da chinesa e se encontra em processo de licenciamento para se instalar na mesma região e produzir 5 milhões de toneladas de ferro/ano.
No ES, além das portas abertas para as chamadas “novas oportunidades”, as articulações de PH permitiram que as grandes empresas se beneficiassem de recursos oriundos de fundos públicos e linhas de crédito subsidiado que são oferecidas para o desenvolvimento de projetos degradantes do meio ambiente.
Atualmente, 78% da população capixaba ganham até dois salários mínimos, enquanto o lucro da Vale, no segundo trimestre de 2010, foi de, aproximadamente, R$ 6 bilhões. Lucro este baseado também nos bilhões de reais emprestados pelo setor público.
Omissão
Na prática, têm sido deixadas de lado todas as reivindicações relativas a tecnologias capazes de mitigar a poluição, provocar o fim da expansão destas indústrias, motivar estudos a respeito dos efeitos da poluição sobre a população da Grande Vitória e denúncias como o desligamento dos filtros das usinas da Vale e Arcelor Mittal durante a madrugada – aumento da poluição durante a madrugada era visto a olho nu –, além da contaminação de recursos hídricos pela empresas Fibria, Sucos Mais/Coca-Cola e Samarco S/A.
E se a Vale hoje se empenha para instalar a Wind Fence, vale lembrar que a medida serviu como uma moeda de troca para que a empresa continuasse a se expandir no Estado. A tela, reivindicada há mais de dez anos, só foi instalada após forte pressão popular e, desta vez, não apenas em cima da empresa, mas do próprio MPES, que se manteve inerte durante os oito anos deste governo.
Por trás do discurso da eficiência na gestão pública, os órgãos estaduais de regulação socioambiental fizeram vista grossa, atropelaram pareceres, aceleraram a tramitação dos processos de licenciamento, tudo isso, buscando minimizar os impactos que serão gerados no futuro.
TAC ou TCA
Se há alguma irregularidade na atuação de grandes poluidoras, o TAC ou TCA pode resolver. Esta foi a saída encontrada pelo governo PH para neutralizar reivindicações públicas e garantir a plena atuação das empresas no Estado.
A mobilização foi tanta neste sentido, que até o Termo de Ajuste de Condutas (TAC) teve seu nome alterado para Termo de Compromisso Ambiental (TCA), a pedido das grandes empresas, para que o primeiro nome não depreciasse a imagem da empresa flagrada em em situação irregular.
Um exemplo clássico do objetivo dos TCAs pode ser ilustrado pela atuação do MPES em relação à Sucos Mais/Coca-Cola. Após poluir o Córrego Rio das Pedras, em Linhares, e matar centenas de peixes, a empresa, que continua poluindo a região, apenas assinou um TAC se comprometendo a adotar tecnologia para evitar a degradação ambiental. Um ano após a assinatura, nada foi feito e a empresa continua poluindo.
O TCA, neste caso, serviu como um cala-boca contra os agricultores impactados pela empresa. E, assim como neste caso, o MPES se manteve omisso, ele que é responsável por intermediar outros tantos acordos entre grandes empresas poluidoras e as comunidades impactadas.
Mais do mesmo
Do esquema armado por PH e o empresariado para se beneficiar dos investimentos de grandes poluidoras, pouco se pode esperar em termos de mudança nos próximos anos. A retirada estratégica da Cepemar dos últimos EIAs realizados no Estado deu lugar ao crescimento meteórico da CTA Ambiental no mercado, cujo trabalho vem sendo realizado nos mesmos moldes da sua antecessora.
Se foi no governo PH que a Cepemar conquistou o monopólio da elaboração de EIAs/Rimas para grandes empreendimentos, foi por meio dele também que a CTA saiu do anonimato. Especula-se, inclusive, que, se a então diretora do Iema Sueli Tonini for substituída, o cargo será ocupado por alguém com laços fortes de ligação com nova menina dos olhos das grandes empresas, esta CTA.
Além das empresas de consultoria, o Estado continuará com o apoio da ONG Movimento Espírito Santo em Ação, que passou, durante o governo PH, a agir de forma articulada e profissional na busca de informações privilegiadas sobre o Estado.
Nos últimos anos, tem sido dessa maneira que os grupos empresariais se apropriam das oportunidades trazidas pelos novos investimentos das grandes empresas exportadoras instaladas no Estado, como Vale, Arcelor Mittal e Aracruz-Fibria, concentrando, assim, o desenvolvimento nas mãos de poucos.
O Movimento Espírito Santo em Ação é composto por representantes das empresas do setor industrial Vale, Aracruz-Fibria, Arcelor e Garoto; do comércio Coimex, Tangará, Cotia e Dadalto); dos grupos do setor de engenharia e de estudos ambientais SerEng, Cepemar, CTA; do ensino superior Faesa e Fucap), do instituto de pesquisa Futura e da rede de comunicação Gazeta.
Tutti buona gente.

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