BIODIVERSIDADE – FATOR AMBIENTAL E ECONÔMICO
Walter Cabral de Moura(*)
Quem já viu, sabe como é triste presenciar o trabalho de dois tratores, separados um do outro por algumas dezenas de metros e ligados entre si por uma grossa corrente, enquanto percorrem um terreno arborizado, derrubando tudo que encontram pela frente.
A motivação, nesse caso, é eliminar a biodiversidade, deixando a terra “limpa” – não vejamos sentido algum conotativo na palavra – para ser implantada, no local, uma monobiose. Isto é, ao invés de várias espécies vivas, deseja-se ali uma única. Ou muito poucas.
É uma pena que, na natureza, os processos econômicos sejam tão diferentes dos que ocorrem na sociedade humana. Começa pelo nome: a economia natural é chamada ecologia. Não é mera coincidência ambos os termos terem o mesmo radical, pois provêm da mesma palavra grega, oikos, casa.
Se na economia humana frequentemente é lucrativo produzir um único e repetido tipo de bem, na ecologia isso jamais acontece. Na verdade, dá-se o contrário: só se autoperpetua e tem viabilidade ecológica o ambiente com alta ou pelo menos muito razoável diversidade de espécies. Em outras palavras, a máxima prosperidade ambiental está na maior diversidade possível.
A oposição, no conceito de otimização da lucratividade, entre a economia humana e a ambiental, dá origem a quase todos os conflitos que conhecemos nessa área. E conduz inevitavelmente ao questionamento sobre se pode o interesse humano, a longo prazo, contrapor-se ao que é interessante para a natureza, na qual apesar de tudo, principalmente das aparências urbanas em contrário, o bicho-homem se insere.
O problema é que a longo prazo, como dizia Adam Smith, estaremos todos mortos...
A biodiversidade é necessária à realização contínua dos serviços ambientais, aqueles que de modo direto ou indireto a natureza presta. Variam dos mais simples, como o aumento local das chuvas e da fertilidade do solo, por exemplo, até os mais sofisticados, como o seqüestro de carbono da atmosfera e a estabilidade do clima, entre outros.
Na ausência de diversidade biológica, esses serviços deixam de ser prestados a contento. Ainda não se conseguiu quantificar direito o custo disso, ou seja, ainda não se conciliou a economia com a ecologia, o que é fator de artificialismo na primeira e de grande prejuízo à segunda.
Ao falarmos em biodiversidade, portanto, referimo-nos ao funcionamento dos ecossistemas, algo que implica em fluxo de energia, ciclagem de materiais e auto-regulação. Processo contínuo que somente acontece, ou somente é otimizado, em ambiente de diversidade biológica, dentro das espécies, entre as espécies, e entre os ecossistemas.
Uma vez implantado um ambiente artificial de monocultura, por exemplo, cessa o trânsito de sementes – em última instância, de genes – perdendo-se a variabilidade genética que vai assegurar tanto a continuidade do ambiente quanto a sua imunidade, ou resistência, ao ataque de pragas e parasitas.
Daí a necessidade, nas monoculturas agrícolas, do uso intenso de defensivos que, infelizmente para nós e a natureza, costumam ser tóxicos, em maior ou menor grau. E quando usados sem respeito aos ciclos e aos cuidados que requerem, podem causar graves danos à saúde, nossa e dos animais.
Somada ao uso de herbicidas e parasiticidas, vem a exigência do uso de fertilizantes, tão logo se esgota a fertilidade natural residual deixada, como último presente, pela mata biodiversa retirada há pouco. Normalmente isso não demora, e não raro ocorre já após a primeira colheita.
Para o PIB – Produto Interno Bruto, indicador macroeconômico de riqueza bastante utilizado – é benéfico o uso de tantos insumos. Alguém vai produzi-los e vendê-los, e isso faz crescer este índice. Infelizmente, contudo, para a nossa saúde e nosso bolso os resultados não são tão bons. Podemos dizer que, em última análise, no processo econômico algum agente apropria-se de serviços ambientais e deixa para toda a sociedade os custos e prejuízos causados por sua falta ou diminuição.
A biodiversidade dispensa insumos, e eis de novo a ecologia em rota de colisão com a economia. Na verdade, já os tem naturais, a custo zero: fertilidade do solo causada pela decomposição de toneladas de folhas mortas, ajudadas pelo incansável trabalho de insetos e outros invertebrados. Controle biológico de pragas, cuja população não consegue multiplicar-se desmedidamente em um ambiente de aguçada concorrência com outras espécies, e na presença de seus predadores. Luz do sol e regime definido de chuvas, dádivas – ou externalidades – também naturais e gratuitas.
2010 foi declarado Ano Internacional da Biodiversidade. Em outubro acontecerá, em Nagoya, no Japão, a 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica – CDB, e nela se pretende desenvolver um plano estratégico para as próximas décadas, inclusive metas para serem atingidas até 2020. Essa Convenção resultou da célebre Rio-92, quando a grande maioria dos países decidiu que estava na hora de fazer algo de concreto pela preservação da biodiversidade, em escala mundial.
As duas maiores causas de perda de biodiversidade, no planeta, são a perda de habitats – por desmatamento ou queimadas – e a introdução de espécies exóticas que, em um ambiente livre de fatores limitantes, o que inclui concorrentes adaptados evolutivamente a enfrentá-los ou a predá-los, costumam expandir-se sem controle e expulsar ou levar à extinção local diversas populações nativas.
Cada espécie que se extingue leva com ela, para sempre, milhares ou às vezes milhões de anos de “aprendizagem evolutiva”. São espécies que, além de serem importantes por si mesmas, pelo direito à vida que todos os seres devem ter, poderiam ser também de importância para as múltiplas e modernas atividades humanas, nossa saúde ou nossa economia.
É recente, na sociedade ocidental, a percepção coletiva do valor intrínseco da biodiversidade, tanto é que ainda não derivou em valoração econômica. Não será mera coincidência, outra vez, o fato de que tenha se instalado nas mentes juntamente com a noção, esta já muito mais bem sedimentada, de que a diversidade cultural é importante e deve ser preservada. São as duas faces da aventura humana no planeta: aquilo que é da cultura e aquilo que é da natureza.
No Brasil, encontram-se entre 15 e 20% de todas as espécies vivas do mundo e mais de 20% das espécies de plantas superiores. Os rios da Amazônia despejam no mar cerca de 20% de toda a água doce que chega aos oceanos do mundo inteiro. Por outro lado, não se sabe ao certo quanto da nossa biodiversidade é conhecida. Estima-se que menos da metade. Enquanto isso, restam menos de 8% da extensão original da Mata Atlântica e, somente na Amazônia, mais de 1.200 km2 seguem sendo desmatados a cada ano.
Nosso país é considerado um dos megadiversos e tem, para o bem e para o mal, papel relevante na conservação da biodiversidade do planeta. Do ponto de vista econômico esta é, para nós, um diferencial a aproveitar, e não um empecilho ao crescimento, como talvez tenha sido, no passado, para vários países hoje desenvolvidos. Diante das enormes mudanças, econômicas e culturais, por que passa o mundo nas últimas décadas, somente uma visão imediatista do assunto, ou irrefletidamente imitadora, continua fazendo muita gente pensar o contrário.
(*) Biólogo e analista ambiental federal.