quinta-feira, dezembro 02, 2010

*/Caesalpinia echinata/**  *




Já não existe pau-brasil


em estado selvagem.


Consumimo-lo até às últimas exsudações


do ar que se respira.



Sufocamos.





Dele resta apenas um colar de vermelhas


sementes


a dar três voltas ao pescoço


com blusas de veraneio.





Levei um pé de uma vez


para o Jardim Botânico de Lisboa


muito contente por assim suprir


uma grave falta


pois nada havia nele


a representar a tão famosa espécie


dadora de magnífica madeira


e que em Botânica se identifica


com o nome de /Caesalpinia echinata/.





Pau-brasil de


cor de brasa


cor de brasa é a resina


Brasil de brasa nasceu


como o fogo no braseiro das palavras.





Levei um pé de pau-brasil


do Horto Botânico do Rio de Janeiro


para a Escola Politécnica em Lisboa


e ninguém avisou que isso era proibido.





Ignorava então que


NÃO SE PODEM TRANSPORTAR ESPÉCIMES VIVOS


DA FLORA E FAUNA ESTRANGEIRA.


Nem no Brasil impediram


mais um gesto de extinção


nem na alfândega portuguesa


o crime de eventualmente introduzir


uma espécie capaz de se transmutar numa praga.





Levava a plantinha num cesto


os ramitos de fora a espreitar


e ia falando com ela


para que não se assustasse na rua


nem no momento de o avião descolar.





Pequenita - ia dizendo.


Dei-lhe água no hotel


fazia-lhe festas nas folhas


e assim levava o pezinho bem à vista


orgulhosa do pau-brasil.





Nem a polícia reparou


nem comandante do avião


nem comissário de bordo


e ainda menos hospedeira


à saída do Brasil.


O mesmo desdém em Lisboa


à passagem inocente


pela zona em que nada há a declarar


da tão terrível alfândega.





Saí do aeroporto de braço dado com o pezinho


vivi uns dias em casa com ele


até proclamar no Jardim Botânico


que tinha uma oferta especial


que supria a falta da espécie


no catálogo das celebridades.





Uma espécie tecnicamente extinta


que só sobrevive sob cuidado humano


na área da domesticidade


como os caniches pequenos


ou os ligres nos jardins zoológicos


híbridos de leão e tigre.





Fez-se uma festa importante


Nos importantes atos da Festa da Sciencia


Com discurso do diretor


Fernando Catarino


O famoso botânico.


Plantou-se com ritual


aquele pezito distinto


no científico arboreto do Jardim Botânico.





E depois a plantinha começou a entristecer


devia ser falta de mim ou da ditosa pátria sua amada


declinou a olhos vistos


sem chegar a pegar nem a crescer


e assim morreu a ilusão


deixando no entanto estes avisos


de não transportar espécimes vivos


de lugar para lugar


e a esperança maior


de a /Caesalpinia/ ser o símbolo


da vitória do Brasil


sobre toda a adversidade.

Maria Estela Guedes
Extraído de «Arboreto» (inédito)

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