quinta-feira, julho 29, 2010


Hidrovias – uma alternativa Do Brasil para reduzir as emissões de GEE’s
 eng. Leonam Furtado Pereira de Souza *


Não existe outra opção para que o espetáculo da epopéia humana sobre a Terra siga em frente: será preciso sempre e sempre transformar energias e oferecê-las nas formas e quantidades necessárias à vida. Por isso, o progresso depende primordialmente do potencial energético capaz de ser disponibilizado e utilizado pela humanidade. Das carroças aos aviões, das indústrias às universidades, das canoas aos navios transoceânicos, das plantações aos supermercados, dos teatros aos parques de diversão, tudo absolutamente tudo precisa de energia que será transformada em trabalho para movimentar nossos destinos, para materializar nossos sonhos.

As sociedades modernas sempre necessitarão de fontes energéticas para avançar em suas atividades e assim, são relevantes as formas que podem ser processadas e colocadas à disposição dos consumidores em qualquer lugar e a qualquer hora, de acordo com as necessidades. Precisa comprar combustível para o carro? Vai ao posto que tem. Quer secar o cabelo após o banho? Liga o secador na tomada e pronto. Ainda bem que esta bendita energia pode ser utilizada para acionar aparelhos simples como o radinho de pilha ou sistemas mais complexos e sofisticados como são os automóveis, os computadores e os instrumentos eletro-eletrônicos que monitoram e reabilitam vidas nas UTI’s dos hospitais.

Entretanto, toda essa enorme facilidade tem um custo ambiental que começa com os processos de transformação de energia produzindo CO2, dióxido de carbono ou gás carbônico, o mais famoso dos gases do efeito estufa - GEE’s. Nós humanos somos os primeiros a contribuir com essa emissão, pois ao respirar também produzimos dióxido de carbono. É que o nosso organismo ao realizar o processo de extração de energia acumulada nas substâncias orgânicas, como as proteínas e os lipídios, utiliza oxigênio - O2 e joga fora o dióxido de carbono em quantidades que, felizmente, não influenciam no efeito estufa. No entanto, ao converter energias a partir do petróleo ou de madeira, para movimentar um ônibus, as máquinas de uma fábrica ou assar pizzas no forno de lenha, haverá sempre uma grande produção de CO2.

Os GEE’s (dióxido de carbono - CO2, metano – CH4, óxido nitroso - N2O, perfluorcarbonetos - PFC's) são substâncias gasosas que na atmosfera absorvem parte da radiação infra-vermelha, emitida pela superfície terrestre, impedindo que ocorra uma perda demasiada de calor para o espaço, mantendo a Terra aquecida. Em outras palavras, sem esses gases na atmosfera, a temperatura média de nosso planeta seria de aproximadamente 20º C abaixo de zero e esse frio de matar não permitiria a vida, tal como conhecemos hoje.

Mas, como todo o exagero é prejudicial, o incremento das emissões de GEE’s na atmosfera devido principalmente ao uso intensivo de combustíveis fósseis e aos desmatamentos – muitas vezes para satisfazer a ambição e o consumismo doentio da humanidade – tem potencializado o efeito estufa fazendo aumentar a temperatura média do planeta e provocando mudanças climáticas indesejáveis. É preciso compreender que as alterações no equilíbrio termodinâmico da Terra afeta diretamente o clima global e induz o aparecimento de catástrofes devido aos pronunciados excessos ou ausências de chuvas, e pela elevação do nível dos oceanos.

Sabendo que o dióxido de carbono permanece na atmosfera por aproximadamente 150 anos, é possível avaliar o tamanho da dificuldade quando a questão é evitar o aumento da concentração desse efluente gasoso. Mesmo que pudéssemos parar de vez com tais emissões, nossa atmosfera não seria reabilitada de uma hora para outra. De qualquer forma, é preciso paulatinamente diminuir a produção de CO2 para tentar mitigar os problemas advindos das transformações do clima, que podem acarretar efeitos devastadores sobre a biodiversidade e ecossistemas do mundo inteiro.

A ocorrência muito freqüente e cada vez mais intensa de catástofres relacionadas às mudanças climáticas (chuvas torrenciais, secas prolongadas, ondas de calor ou de frio insuportável), tem levado os governos e a sociedade a se preocuparem de verdade com o meio ambiente e a proporem providências para enfrentá-las. Neste contexto, de imediato percebe-se que para reduzir as emissões de CO2 é preciso realizar ajustes em nossa matriz energética e isso pressupõe a utilização de fontes energéticas mais limpas e renováveis, que não liberem gás carbônico, tais como as energias eólica e solar, dentre outras. No entanto, esse processo é lento e requer uma adaptação gradativa do nosso estilo de vida. Portanto, enquanto não estejam disponíveis as energias limpas é preciso, com firmeza, reduzir ao máximo as emissões que fazem aumentar o efeito estufa. Desta forma, países ricos e pobres, governantes e governados enfim, cada pessoa que precisa respirar para continuar vivendo, todos nós, sem exceções, devemos estar bem conscientes desta crucial responsabilidade.

Neste sentido, felizmente, já existe um certo avanço e os diferentes setores econômicos já sabem que devem focar nas medidas que conduzam à eficiência energética; nos programas de consumo sustentável de energia; na substituição gradativa de combustíveis fósseis (carvão, gás e petróleo) por outros de origem renovável; no uso de gás natural e álcool nos transportes urbanos; nas tecnologias e incentivos para a produção de veículos mais eficientes e menos poluentes; nas estratégias de ampliação e otimização de transporte público nos centros urbanos; na reutilização e reciclagem de materiais; na restauração florestal; na redução do desmatamento; no controle da exploração madeireira ilegal, dentre outras ações que contribuam para a redução das emissões de GEE’s e abrandem os impactos negativos sobre os recursos naturais.

No Brasil, o Plano Nacional sobre Mudança do Clima - PNMC, de 2009, estabeleceu como objetivo geral incentivar o desenvolvimento de ações e interagir com o esforço mundial de combate a essas mudanças. Inclui metas para a redução do desmatamento na Amazônia, bem como outras medidas nas áreas de produção de energia elétrica, carvão, biodiesel, álcool, estímulo a fontes renováveis e a ampliação de iniciativas de reciclagem. Dentre as suas determinações específicas está a consolidação de uma economia de baixo consumo de carbono no transporte público urbano e nos sistemas modais de transporte interestadual de cargas e passageiros considerando as especificidades de cada setor, com vistas em reduzir entre 36,1% e 38,9% as emissões projetadas até 2020.

Ao mesmo tempo, São Paulo, o mais importante estado brasileiro, foi o primeiro a instituir uma Política Estadual de Mudanças Climáticas - PEMC que dentre outras determinações, direciona para o uso prioritário do transporte sustentável, no sentido de minimizar as emissões de gases de efeito estufa, privilegiando o transporte coletivo, a ampliação do serviço de transporte aquaviário urbano, a combinação de modais de transporte, a utilização de meios de transporte menos poluidores e de modais mais eficientes e com menor emissão de CO2. Para atingir esses objetivos estão previstos instrumentos econômicos e de estímulo à implantação de projetos que utilizem o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo - MDL, e os benefícios do mercado de Créditos de Carbono, decorrentes do Protocolo de Quioto.

Por sua vez, num enfoque mais localizado, a cidade de São Paulo, também em 2009, instituiu a Política de Mudança do Clima no Município de São Paulo, corroborando várias diretrizes já estabelecidas em nível federal e estadual, com destaque para a priorização do  transporte coletivo sobre transporte individual e o estímulo ao uso de meios de transporte com menor potencial poluidor e emissor de gases de efeito estufa.

As pesquisas já comprovaram que, em nível mundial, o setor de transporte oferece as mais significativas contribuições para as emissões de CO2 e têm o maior consumo final de combustíveis fósseis. Os dirigentes estão atentos para a necessidade de adequações e, embora os sistemas de transportes estejam passando por grandes mudanças estruturais e tecnológicas, sua complexidade cria dificuldades para a aplicação de uma política de fomento à eficiência energética.

Hoje, o Brasil possui 13 mil quilômetros de vias navegáveis utilizadas economicamente para o transporte de cargas e passageiros, podendo utilizar 44 mil quilômetros, caso sejam realizadas obras de infra-estrutura, sem contar o potencial de 63 mil quilômetros navegáveis em águas superficiais flúvio-lacustres. Apesar de toda essa potencialidade a participação do modal hidroviário na matriz de transporte brasileira é de apenas 7%, contra 60% das rodovias e 33% das ferrovias. O fato é que, a ausência de um nível adequado de investimentos no setor hidroviário tem resultado prejuízos para a viabilidade econômica das vias navegáveis, concorrendo para o desbalanceamento da matriz de transportes e para o agravamento das deficiências na intermodalidade, como afirmam as autoridades do setor. Na verdade, o aproveitamento adequado das hidrovias brasileiras está na dependência da realização de serviços e obras de infra-estrutura, tais como, dragagem, transposição de trechos por meio de eclusas, eliminação de obstáculos naturais, balizamento e sinalização.

Estudos e pesquisas sistematicamente têm indicado que o modal hidroviário em relação aos demais é economicamente viável, mais eficiente e, em muitas situações, menos exigente em investimentos nas fases de implantação e operação, além de gerar a menor emissão de gases poluentes. Por outro lado, o custo sócio-ambiental (despesas com acidentes, poluição, consumo de água e ocupação de espaço) do transporte hidroviário é de U$ 0,20/100 t/km, ou seja, 16 vezes menor que do transporte rodoviário (U$ 3,20/100 t/km) e 4 vezes menor que do ferroviário (U$ 0,80/100 t/km).

Neste enfoque, também são muito interessantes os dados registrados pelo Balanço Energético do Estado de São Paulo, demonstrando que em 2008 a emissão total de CO2 para o modal hidroviário foi 24 vezes menor que a emissão do modal rodoviário e apenas 3 vezes maior que do modal ferroviário, o que permite esperar uma relevante melhoria ambiental sempre que houver preferência pelas hidrovias e um uso menos acentuado das rodovias. Complementarmente, vale ressaltar que o PNLT - Plano Nacional de Logística e Transporte elaborado pelo Ministério dos Transportes do Brasil desenha um cenário para 2025 que prioriza os modais hidroviário e ferroviário, esperando com isso alcançar 38% de aumento de eficiência energética, 41% de redução no consumo de combustíveis fósseis, 32% de redução na emissão de CO2 e 39% de redução na emissão de NOx.

Um exemplo relevante no conjunto dos esforços que o Brasil vem realizando para diminuir as emissões dos gases do efeito estufa em favor de um meio ambiente mais saudável é o projeto do Hidroanel de São Paulo, conduzido pelo Departamento Hidroviário da Secretaria de Transporte do Estado. Este projeto delineia um sistema de transporte urbano de cargas e passageiros, com adequada utilização dos rios existentes na Região Metropolitana de São Paulo. O objetivo principal é disponibilizar um meio de transporte mais eficiente e ecologicamente mais correto, permitindo retirar de circulação um grande número de carretas e caminhões que embaraçam as avenidas marginais da cidade causando uma série de transtornos. Os deslocamentos rodoviários passarão a ser feitos pelos trajetos navegáveis nos rios Tietê e Pinheiros, reservatórios Billings e Taiaçupeba, que após as adequações e intervenções necessárias formarão um circuito hidroviário com aproximadamente 186 km de extensão. Além disso, a integração com outras iniciativas permitirá que o projeto desta hidrovia urbana efetivamente venha contribuir para a solução de antigas questões que afligem a população da megalópole, tais como as constantes e destrutivas enchentes, a insalubre poluição atmosférica, as incômodas ilhas de calor e os imensos e angustiantes congestionamentos no trânsito. A proposição de um modal de transporte com melhor eficiência energética e reduzido custo sócio-ambiental, faz do Hidroanel de São Paulo um empreendimento que prestigia as diretrizes legalmente estabelecidas para enfrentar os efeitos adversos das mudanças do clima. Sem dúvida, uma importante contribuição brasileira que todos esperam ver concretizada.

[* Leonam Furtado Pereira de Souza é engenheiro agrônomo, consultor e coordenador de projetos e estudos ambientais.]

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